As línguas de cultura vivem em evolução perpétua, caso contrário, seriam
fossilizadas, se tornariam incapazes de exprimir novos conceitos vindos
da ciência, das artes, da economia, da política, enfim, do vasto campo
do pensamento humano. Novos conceitos, é lógico, exigem novas palavras
ou que antigos vocábulos incorporem novos significados. Essas palavras,
fresquinhas, juvenis, nascem quase sempre do idioma falado pelo povo que
produz o conhecimento, que domina o cenário tecnológico, econômico,
militar e cultural de uma época.
Vejam, para exemplificar, a enxurrada de novas palavras que o advento
da informática nos trouxe. Email, site, blogar, internet, deletar e
outras milhares são tão comuns aos nossos ouvidos que dão a impressão de
serem usadas desde o tempo de Camões. Aliás, deletar, cuja origem é o
nobre latim, é tão familiar aos nossos lábios que já rompeu os limites
da informática e assumiu o significado de apagar, esquecer. Não será
surpresa se amantes decepcionados proferirem a sentença: Vou deletar
você do meu coração!
Pelé, o Rei do Ludopédio?
Querer manter a língua livre desses acréscimos legítimos é querer
matá-la. Forçar palavras da língua pátria para substituir termos
estrangeiros que o povo já consagrou pelo uso é perda de tempo, esforço
inútil. O futebol já nos ensinou essa lição. Puristas extremados
pretenderam transformar football em ludopédio. Pura tolice. O povo, que
para desespero dos intelectuais é quem manda no idioma, já havia
aportuguesado a palavra inglesa para futebol. Solução simples, sonora e
eficiente. Se tivesse prevalecida a criação erudita, então falaríamos de
Pelé como o Rei do Ludopédio e no próximo ano estaríamos sediando a
Copa do Mundo de Ludopédio (leia o espirituoso artigo sobre o ludopédio
na Desciclopédia para entender). O povo, esperto que ele só, também tratou de dar
formas familiares para os termos do esporte bretão, assim, goalkeeper
virou goleiro, offside virou impedimento… E estamos conversados.
Do outro lado dessa história, está o uso indiscriminado de palavras
estrangeiras para exprimir conceitos para os quais já temos palavras
equivalentes na nossa língua. Essa prática nada mais é do que submissão
cultural, modismo e falta de amor ao idioma materno; sintomas de
alienação, perda de identidade cultural e decadência da auto-estima de
um povo. A Língua Portuguesa, enriquecida pelas línguas do índios que já
estavam por aqui e pelos idiomas dos africanos arrastados para cá, é um
tesouro de todos nós, brasileiros. Empobrecê-la com dispensáveis
palavras forasteiras é entregar-se ao jugo da influência estrangeira e
não deixa de ser falta de amor ao país.
Vejam o caso da série Revenge. Por que o título do melodrama
americano não é traduzido por Vingança, palavra tão forte quanto à
inglesa? Será que um brasileiro que tem um ente querido assassinado
pensa em revenge? Será que a fiel esposa brasileira de um malandro
tupiniquim ao descobrir a traição do marido cogita em lhe fazer revenge?
Outro caso, bem divulgado na mídia, é a tatuagem do jogador Neymar. O
jovem e talentoso jogador de ludopédio, querendo agradecer aos céus por
todas as dádivas que tem recebido, tatuou nas costas a palavra inglesa
blessed, cujo significado em português é abençoado; palavra tão bela,
tão forte e tão carregada de sentimentos que ficaria perfeita em alguém
que quisesse irradiar brasilidade mundo afora.
É claro que a escolha de blessed é perfeitamente compreensível. A
língua inglesa tem alcance universal e com a ida de Neymar para o
Barcelona, qualquer habitante do planeta, desde as montanhas da China
até aos confins gelados da Patagônia, entenderá a mensagem nas costas
milionárias do brasileiro.
Contudo, a palavra abençoado está tão ligada aos assuntos do
espírito, que duvido que ela tenha sido renegada por escolha própria do
nosso craque. Deve ter sido rejeitada pelos responsáveis pelomarketing
do jogador, interessados, legitimamente, que fique bem claro, em
promover a imagem de Neymar perante o mundo. Ou alguém pode imaginar o
Neymar, garoto educado no temor a Deus, dirigindo suas orações ao
criador em inglês? É claro que não, quando oramos, é o espírito quem
fala, e o espírito, fala na língua materna, aquela que aprendemos junto
ao seio de nossa mãe!
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